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27/10/2016

Paraense vence concurso da Fenafisco

Líria é a primeira mulher a ganhar o concurso nacional de monografias.

A auditora abordou o princípio da isonomia da autonomia tributária na sua monografia

Com sua tese de doutorado “Dissonância da Autonomia Federativa Tributária: uma análise da tributação sobre a propriedade de embarcações e aeronaves”, a paraense Líria Kédina Moraes, auditora fiscal de Receitas Estaduais do Pará,​​ tornou-se a primeira mulher a conquistar o primeiro lugar do Concurso de Monografia da Fenafisco.

Através de pesquisa sobre uma problemática antiga do princípio da isonomia da autonomia tributária, a autora se debruçou sobre a cobrança do IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores) de embarcações e aeronaves, e questionou porque alguns estados realizam a cobrança enquanto outros não.

Auditora fiscal há 24 anos, a vencedora do concurso nacional, que faz parte do Congresso Nacional do Fisco Estadual e Distrital, deve apresentar o resultado de sua pesquisa em novembro deste ano, durante evento que ocorre em Belém do Pará.

O Sindifisco Pará entrevistou Líria​, que é​ natural do município de Almeirim, especialista em Legislação Tributária e em Direito Processual Civil, mestre em Direito do Estado pela Universidade de Amazônia e doutora em Direito pela Universidade Estácio de Sá do Rio de Janeiro.

Como surgiu o interesse sobre o tema?

Surgiu com uma inquietação quando assistia a uma vídeo-aula sobre Direito Tributário, onde explicava que o IPVA não incide sobre embarcações e aeronaves no Estado de São Paulo. Mas como auditora fiscal, sei que no Pará o IPVA incide sobre os veículos automotivos motores terrestres, aeronaves e embarcações.

A partir disso, resolvi estudar mais sobre o assunto e pesquisei em todas as 27 unidades da federação como era feito essa cobrança do IPVA, quais estados cobravam e quais não cobravam, e por quê o Pará era diferente de São Paulo.

Descobri que dentre as 27 unidades da federação, somente São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro não cobravam o IPVA. Esses estados não cobram o imposto por terem sido alvo de julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal), que decidiu que não incide o IPVA sobre as embarcações e aeronaves.

O que me instigou foi: por que nas outras 24 unidades continuam cobrando o imposto, se o Supremo já havia se manifestado sobre não incidência sobre elas? Então, aprofundei-me ainda mais sobre o tema, fiz uma análise técnica desde a origem de cada unidade da federação, além de uma análise jurisprudencial e doutrinária.

Por que a ausência de cobrança do IPVA nesses três estados não é justa?

É, justamente, onde abordo o princípio da isonomia tributária. É um princípio sensível, um princípio constitucional tributário chamado “cláusula pétrea”, que só pode ser mudado por uma outra Constituição.

Então a isonomia é justamente isso. Como alguns estados cobram o IPVA e outros não? E ainda existe outro agravante: em alguns estados há contribuintes que pagam e outros não.

Se todas as 27 unidades federativas cobravam o IPVA, por quê apenas São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro não cobram mais?

Buscava uma solução para esse questionamento. A alternativa seria a repercussão geral, solução que atingiria todos os estados ou uma lei complementar. Mas o problema do IPVA é que ele não tem uma lei complementar como tem o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços).

O IPVA é de 1985 e o Código Nacional Tributário é de 1966. Sendo assim, faz-se necessária uma Lei Complementar que crie normas gerais, mas essa lei não saiu até hoje. É exatamente a ausência dessa nova lei que causa toda essa dissonância. Essa é a minha problemática.

Por que o STF decidiu pela não incidência de cobrança de IPVA nos três estados?

A decisão do supremo tem vários aspectos. Antes existia a TRU (Taxa Rodoviária Única), que era cobrada anualmente pela União no momento do licenciamento do veículo, cuja receita era aplicada no custeio de obras para conservação de rodovia.

Depois se transformou a TRU em IPVA, que passou a ser cobrado pelos estados. Foi uma forma de flexibilizar a aplicação dos recursos, conferindo ao gestor público maior liberdade ao decidir sobre a destinação da arrecadação do referido tributo, garantindo uma maior parcela de receita não afetada para fins específicos.

Porém, o Artigo 155, Inciso III sobre o IPVA, na Constituição, cita somente veículos automotores e não especifica se são aéreos, rodoviários ou embarcações fluviais. Como a própria Constituição deixou essa brecha, os estados acabaram por fazer uma interpretação extensiva. Tanto que quem inovou com essa cobrança foi o Espírito Santo e o Rio de Janeiro.

Apesar disso, o Supremo decidiu que o IPVA decorre sim da TRU, em que está era rodoviária e não incidia sobre embarcações e aeronaves, mas apenas para veículos rodoviários.

Logo de início a questão teve uma grande discussão no Supremo Tribunal Federal, onde a maioria decidiu que não incide. A partir de então a maior Corte do país não vem reconhecendo recurso relacionada a essa questão porque para eles essa matéria está pacificada.

Então, se para o Supremo a matéria está pacificada, mas o Legislativo age diferente, qual seria a solução?

Ou altera a Constituição e inclui aeronaves e embarcações ou sai uma Lei Complementar que não pode ser cobrado o IPVA, porque o Supremo já disse que não incide a cobrança do imposto.

Mas diante dessa decisão do Supremo não poderia ter uma Lei Complementar e ficamos nessa situação que chamo de dissonância.

Qual o impacto da sua pesquisa para a administração tributária?

Para o fisco dos três estados que não cobram o IPVA seria um grande aumento na arrecadação, considerando que possuem considerável frota de helicópteros e embarcações comerciais. Agora, se entendermos que o Supremo decidiu que a matéria está pacificada e que não incide, será uma perda de arrecadação para os outros 24 estados.

O Supremo declarou que é inconstitucional a lei de São Paulo, mas nunca ninguém levou essa questão aos outros 24 estados, mas somente, para os três estados.

Criaram agora o instituto da repercussão geral, porém o STF julgou a decisão para o Rio de Janeiro, em 2007, e ainda não tinha essa possibilidade da repercussão geral. E, desde 2007, não se chegou a nenhuma decisão sobre o assunto.

Acredito que se chegar alguma decisão, vai decretar a repercussão geral. Mas com a crise econômica, ninguém comenta sobre esse assunto.

Qual impacto desse impasse para a sociedade em geral?

Para a sociedade é uma questão de princípios e justiça. Na minha pesquisa, abordei o princípio da isonomia tributária e não consigo conceber, por exemplo, que os contribuintes do Rio de Janeiro são tratados diferente dos contribuintes do Pará.

Essa questão de desigualdade é o que me incomoda. Isso fere o princípio constitucional que é o da isonomia, uma vez que são tratados diferentes.

Quais seriam os caminhos para realizar esta “justiça tributária”?

O caminho que aponto é atualizar a Constituição. Já tramitam no Congresso a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 140/2012 e PEC 283/2013, popularmente apelidadas de “PEC dos Jatinhos”, mas que estão paradas. Essas duas PEC foram provocadas para incluir no campo de incidência as aeronaves e as embarcações.

Se conseguisse mobilizar o andamento dessa PEC resolveria o problema. Os  três estados que não cobram passariam a cobrar, aumentaria a arrecadação deles e acabaria com essa problemática e com essa dissonância. Resolveria dois problemas e ninguém perderia.

O que você destaca dentro da sua monografia?

Eu consegui separar nas referências a doutrina, a jurisprudência e as legislações, revogadas e vigentes. Também apresento a legislação de todos os Estados, vigentes e as revogadas, com a indicação do sitio para o leitor acessar. A intenção foi meramente didática, ou seja, para qualquer leitor achar com facilidade. Deu muito trabalho, mas ficou bem legal.
Foi um trabalho de coleta de dados que levou quase três anos, um longo  prazo para aprofundar a pesquisa.

Destaco, além dos anexos e referências, o histórico do IPVA, que coloco de forma interessante para o leitor saber quando foi a primeira vez que se pensou em cobrar um imposto sobre veículo aqui no Brasil.

Qual a importância do concurso e a sensação de conquistar o primeiro lugar?

O concurso incentiva a produção de mais pesquisas. Na carreira do Fisco as pessoas são mais técnicas e são poucos os pesquisadores, e o concurso ajuda nesse estímulo.

Estou me sentindo prestigiada pelo reconhecimento como pesquisadora e por ser a primeira mulher a conquistar o primeiro lugar, além da oportunidade de fazer a apresentação da minha monografia na minha terra, em novembro.

Agradeço a Deus, aos meus pais e, principalmente, ao meu marido, Arménio Moraes, que também é auditor fiscal e me incentivou a prestar o concurso público para auditora e estudar para a pós-graduação e conquistar meu mestrado e doutorado.

 ( Daniela Walendorff/ Sindifisco Pará)