Artigo de Charles Alcantara
O restabelecimento da tributação sobre a exportação para o exterior dos produtos primários – em especial os não renováveis – há muito reclamada por diversos segmentos, desde pesquisadores, passando por políticos e entidades da sociedade civil, acaba de ganhar um aliado de peso: o Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários de Fazenda, Finanças, Receita ou Tributação dos Estados e do Distrito Federal).
O colegiado de secretários formou consenso e defenderá a inclusão dessa tributação no texto da reforma tributária em discussão na Câmara dos Deputados, sob a relatoria do deputado Aguinaldo Ribeiro (PP/PB).
Há anos o Sindifisco vem empunhando a bandeira da cessação da desoneração das exportações de bens primários trazida pela então “Lei Kandir”, e sacramentada no texto constitucional em 2003.
Em 2017, quando a desoneração tributária completava 20 anos, campanha publicitária veiculada pelo sindicato denunciava a perda de R$ 37 bilhões sofrida pelo Pará e bradava: “É preciso estancar esta sangria”.
Em dezembro de 2021, o Sindifisco lançava o Volume 1 da Série “Estudos da Mineração no Pará, a cargo da professora doutora Maria Amélia Enríquez (UFPA), que defendia o retorno da tributação sobre os bens minerais remetidos ao exterior. Essa obra subsidiou a CPI da Vale instalada pela Alepa em maio de 2021, sob a presidência do deputado estadual Eraldo Pimenta (MDB), cujo relatório final foi apresentado oficialmente em maio deste ano.
No balanço entre custos (ambientais, sociais e econômicos) e benefícios da mineração no estado do Pará, salta aos olhos o desequilíbrio em favor das grandes mineradoras, sendo a desoneração tributária uma das causas principais desse desequilíbrio.
O mantra quase religioso de que “não se exporta tributos” não resiste a qualquer análise tecnicamente honesta. De fato, não se exporta tributos, porque os tributos, nesse caso específico, são internalizados no país em forma de políticas de incentivo à diversificação da economia, preservação dos recursos naturais, equidade intergeracional, redução de externalidades negativas e justiça fiscal, como aponta nota técnica de junho de 2023 elaborada pela Diretoria de Arrecadação e Informação Fazendárias da Secretaria da Fazenda do Pará, que defende a tributação nas exportações de bens primários não renováveis.
Enquanto assistimos ao aumento exponencial na escala de extração dos recursos minerais do subsolo paraense (os últimos dados disponíveis apontam um volume de 250 milhões de toneladas/ano, sendo o minério de ferro o carro-chefe), assistimos simultaneamente à redução dramática da participação da indústria de transformação na economia local, que despencou para 4% do PIB do Pará (2019), embora responda por 8% da geração de emprego formal. Em 2002, a indústria de transformação representava 10% do PIB e respondia por 15% dos empregos formais, segundo a RAIS. Essa é uma das constatações do livro que será lançado pelo Sindifisco no segundo semestre deste ano, de autoria da professora Maria Amélia Enríquez, em coautoria com o economista Lucas Ferraz.
A vindoura obra do Sindifisco demonstra que diferentes países, nos cinco continentes, tributam a mineração, e que o Brasil apresenta uma das menores cargas tributárias sobre os bens minerais.
A reforma tributária é uma oportunidade de “ouro” – com perdão do trocadilho – para dar fim a um ciclo de quarenta anos de exploração mineral de larga escala que não alterou substantivamente o quadro de desenvolvimento no Pará. E o encerramento desse ciclo, antes que se encerre o próprio ciclo mineral – por exaustão ou obsolescência – passa pela tributação.
Não há melhor maneira de o Brasil receber a comunidade internacional que tem encontro marcado em Belém, em 2025, na COP 30.
Charles Alcantara é Auditor Fiscal de Receitas do Estado do Pará e presidente do Sindifisco-Pará