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25/11/2013

CHARLES ABRE O VERBO: “MENSALÃO É UMA GRANDE FARSA, MAS O PT ERRA HÁ 11 ANOS”

Em corajoso artigo, o presidente do Sindicato dos Servidores do Fisco Estadual do Pará (Sindifisco-PA), Charles Alcantara, um ex-petista de carteirinha que ajudou a fundar as bases ideológicas do petismo no Pará, vê injustiça na condenação de líderes nacionais do PT com base numa kafkiana acusação de compra de votos no Congresso Nacional. O que houve, segundo o articulista, foi crime eleitoral de formação de caixa 2 midiatizado para criminalizar algoz. O mensalão, diz Alcantara, “foi uma grande farsa, um Mentirão” dos “barões da mídia”. Ferino, ele lembra, porém, que onze anos depois de assumir o poder no Brasil o PT sequer começou a missão histórica de combater a “hegemonia monopolista, racista, preconceituosa e hipócrita”.
 
Eis a íntegra do artigo:
 
 
De quantos anos mais? Por quantos anos mais?
 
 
Charles Alcantara
 
Mensalão é uma invenção da mídia dos barões.
Os autos do julgamento da Ação Penal 470, aliás, confirmam a inexistência do mensalão na medida em que o procurador-geral da República, malgrado toda obstinação, não conseguiu apresentar uma única prova de que havia pagamento mensal a qualquer parlamentar para votar a favor do governo no Congresso.
O mais midiatizado julgamento da história política brasileira, portanto, foi uma grande farsa, um Mentirão, como alguém cunhou.
O que houve, e isto foi assumido até por muitos petistas, foi um esquema de financiamento ilegal de campanha eleitoral, inclusive para pagamento de dívidas de campanha de petistas e aliados.
A própria defesa dos réus assumiu a tese do “Caixa 2”, em antítese à falsa compra de votos no Congresso.
Muitos petistas com os quais eu conversei e que ficaram indignados com a manipulação midiática e o regime de exceção que o STF estabeleceu em relação ao julgamento, também reconheceram o “Caixa 2” e alguns até manifestaram concordância com a condenação de alguns dos seus companheiros, desde que para punir o “Caixa 2”, visto que este de fato existiu.
A condenação e a prisão de Zé Dirceu e Genoíno, emblemas não somente do PT, mas da luta democrática do Brasil (a prisão de Delúbio – e mais ainda de Marcos Valério e outros – pouco importou para os petistas), comoveu a mim e a muitos, não somente a petistas, estes que também foram tomados por indignação.
Mas, afinal, que lições é possível aprender dessa história, que há de ser recontada pelo – e ao – povo brasileiro?
Afinal, o PT cometeu erros (e quais, neste caso?) ou foi apenas vítima de uma trama da direita e sua mídia golpista?
Disparar impropérios contra – e denunciar – a mídia, os articulistas da direita, o Gurgel e o Barbosa, até ajudam a desopilar o fígado.
Erguer os punhos e manifestar solidariedade a Zé Dirceu e Genoino (refiro-me a estes porque somente estes foram destinatários de manifestações de desagravo), ajudam a extravasar a indignação e podem fazer bem ao orgulho ferido dos petistas, além de servirem para ativar o “patriotismo” militante e aplacar a luta interna partidária.
Idolatrar os dois líderes, fortalece o espírito dos injustiçados para resistirem ao cárcere.
 
Mas, enquanto todo o tempo, energia e inteligência são canalizados para os impropérios, a denúncia, o extravaso e a idolatria, nada é feito para enfrentar as causas que levaram e continuam a levar muitos quadros da chamada esquerda a recorrerem aos mesmos mecanismos da direita para disputar governos e parlamento.
Sempre que eu vejo um petista bradar que o “mensalão” do PSDB de Minas até hoje não foi punido, eu me indago se os petistas se sentiriam justiçados ou vingados se os tucanos de Minas fossem presos, pelo mesmo esquema que encarcerou os seus companheiros do PT.
Digamos que, por um milagre, o esquema do PSDB de Minas viesse a resultar na prisão do Eduardo Azeredo. Neste caso, a questão estaria resolvida para os petistas?
Alguns dos ídolos petistas, reconhecida e assumidamente, montaram ou permitiram que se montasse um esquema financeiro inspirado num modelo tucano, mas isto, estranhamente, soa aceitável e justificável aos que se forjaram no combate a esse tipo de prática.
A hora é de prestar solidariedade, e não de fazer coro com o massacre perpetrado pela direita, dizem petistas respeitáveis. Concordo, mas apenas em parte.
Digo que concordo em parte porque há outra parte dessa questão que o PT não me parece disposto a enfrentar, o que o levará a repetir os mesmos erros, sustentado numa retórica malandra e uma base filosófica rasa que justifica tudo o que é feito pelos seus ícones, porque a sua história de luta e resistência lhes torna sagrados.
Não vejo o menor indício de que o PT conseguirá aprender boas lições desse martírio, imerso que está na dor e na revolta contra os seus algozes.
O discurso que prevalece no PT é o da justificativa ao que foi feito, do jeito que foi feito; porque não havia como ser feito diferente, porque os companheiros fizeram o que fizeram em nome de um projeto coletivo; porque os companheiros sacrificaram-se pelo partido.
Isto explica tudo, então?
Se é assim, não há o que ser corrigido, nem há responsabilidades a serem apuradas.
De um lado, a denúncia do golpismo da mídia. De outro, a presidente da República – que é do PT – enchendo os cofres da Globo e ajudando a sustentar a Veja.
De um lado, movimentos sociais num esforço solitário em favor da democratização da comunicação. De outro, o ministro das comunicações – que é do PT – fazendo o jogo dos barões da mídia.
 
De um lado, o PT defendendo uma reforma política que liberte as campanhas eleitorais da tutela do poder econômico. De outro, petistas graduados no Congresso Nacional sabotando a proposta.
Incorre em erro fatal a esquerda que supõe poder competir com a direita, servindo-se dos métodos próprios da direita.
As regras do jogo não servem à esquerda e não podem ser assimiladas e copiadas pela esquerda, sob pena de dar no que deu.
Mas a correlação de forças – dizem petistas respeitáveis – não permite ao governo assumir a agenda da democratização da mídia; do enfrentamento aos interesses deletérios do agronegócio, das empreiteiras, da indústria mineral e dos banqueiros; do fim do financiamento eleitoral pelo poder econômico.
Então, tá!
De quantos anos mais, além dos 11 percorridos, o governo do PT precisará para começar (começar, porque sequer começou!) a fazer a luta contra essa hegemonia monopolista, racista, preconceituosa e hipócrita?
Por quantos anos mais persistirá e avançará o processo de assimilação, adaptação e adesão dos da senzala aos modos dos donos da casa grande?
De quantos anos mais?
Por quantos mais?
 
 
Charles Alcantara é presidente do Sindifisco-PA