Notícias

25/04/2011

Corrupção e Política

A política, para além de qualquer coisa que se assemelhe a uma cruzada contra a corrupção e os corruptos, é atividade emancipatória, cujo sentido mais genuíno é o de afirmar e honrar a esfera pública. A corrupção, por sua vez, é muito mais do que mera desonestidade pessoal e o seu alcance extrapola os limites da esfera individual. A corrupção nasce e floresce no terreno em que se estabelece a conflituosa relação entre o público e o privado.

 Quanto mais intenso é o conflito entre o público e o privado, mais sofisticados são os mecanismos de corrupção, mais ilustres são os corruptos e corruptores e mais deletérios são os seus efeitos para a sociedade. É nas instituições com maior poder de regulação, de polícia, de fiscalização e de intervenção no domínio econômico que a corrupção mais sangra a sociedade, justamente porque é nessas instituições que se apresenta mais agudo o conflito de interesses.

 Afirmar e honrar a esfera pública, razão de ser da política, é o melhor antídoto contra a corrupção. A corrupção acontece no âmbito das instituições públicas sempre que o interesse privado subjuga o interesse público e preside decisões de políticos, administradores e servidores públicos.

 O escândalo na Assembleia Legislativa é sintomático do patrimonialismo e, portanto, da corrupção que, qual sanguessuga, suga a seiva daquela instituição pública que é proclamada – e se autoproclama – como Casa do Povo.

 Assim o é, também, o mais recente caso da contratação pela Secretaria da Fazenda de uma empresa privada denominada Assets Alicerce Assessoria Ltda., que, segundo o portal Transparência Pará, recebeu, no período de julho a dezembro de 2010, mais de R$ 27 milhões dos cofres públicos por um trabalho até então desconhecido.

 

A contratação foi suspensa pela secretaria no último dia 18 de abril, sob duas alegações de extrema gravidade: afronta à Lei nº 8.666/2003 e grave lesão ao erário. Não se sabe ao certo se o serviço prestado pela ilustre beneficiária de tantos milhões de reais do povo paraense refere-se à recuperação de créditos de dívida ativa ou a alguma espécie de negociação, para menor, da dívida pública do Estado.

 Trata-se, isto é claro, de mais um caso de submissão do interesse público ao privado. Enquanto as diárias pagas a qualquer servidor público que se desloca de seu domicílio, a serviço, são publicadas no Diário Oficial do Estado, eis que o desembolso de tantos milhões entregues a uma empresa privada foi dispensado da devida publicação.

 Ainda que as razões da suspensão do contrato sejam suficientemente graves para justificar a atuação do Ministério Público Estadual, julgo que o mais grave de tudo é justamente esse desapreço pela coisa pública, cujo subproduto é a judicialização e a criminalização da política e dos políticos, que fazem daquela e destes sinônimos de abjeção e afastam os cidadãos da atividade pública.

 O serviço contratado à Assets, seja no âmbito da recuperação de dívida ativa, seja no âmbito da redução da dívida pública, é atividade exclusiva de Estado e, portanto, indelegável. Nenhum argumento em defesa da legalidade da contratação é capaz de purificar o que, na origem, já se revelou viciado e lesivo ao interesse público. Não estou a tratar aqui se o serviço foi ou não prestado, ou se o mesmo é caro ou barato. O que merece repúdio é a confusão dolosa que se faz entre a esfera pública e a esfera privada.

 A rubrica Despesas Correntes do Orçamento Geral do Estado, do exercício de 2011 ilustra bem o sacrifício que o contrato feito pelo governo passado impôs ao contribuinte paraense. Os mais de R$ 27 milhões pagos à Assets quase alcançam a previsão anual de despesas correntes da Procuradoria Geral do Estado (R$ 29,5 milhões), órgão vital para a defesa dos interesses do Estado, inclusive em matéria financeira; superam, em cinco milhões o previsto para a Sagri (R$ 22,3 milhões) e equivalem ao triplo do previsto para a Secult (R$ 9 milhões).

 A Assets recebeu dos contribuintes do Pará quase o valor previsto em 2011 para o Programa Bolsa Trabalho (R$ 31,9 milhões), importante medida de política social implantada pelo próprio governo do PT.

 Entre dotar a administração pública (Sefa e PGE) de condições para fazer um trabalho ainda mais efetivo em prol da sociedade e enriquecer uma empresa privada, o governo de Ana Júlia Carepa optou pelo segundo. E, ao fazê-lo, feriu gravemente um compromisso histórico de seu partido em favor da esfera pública e de um Estado forte, ético e cidadão.

 Os mais de R$ 27 milhões pagos à Assets em seis meses são uma demonstração de descompromisso com o público, pois com 20% desse valor, ao ano, a Sefa e a PGE, através da Célula de Controle da Dívida Ativa e das Procuradorias Especializadas, por exemplo, poderiam aumentar substancialmente – e de forma sustentável – a recuperação da dívida ativa. O mesmo raciocínio se aplica à negociação da dívida pública.

De um lado, a Assembleia Legislativa recusando-se a exercer o autocontrole ético através de uma CPI para apurar as denúncias envolvendo funcionários e parlamentares. De outro, um ente público, em pleno período eleitoral, drenando quase R$ 30 milhões do Tesouro para a conta de um particular.

 Lados de uma mesma moeda, ou, o que é pior, das muitas moedas pagas com o suor, o sacrifício, as lágrimas e a vida da população paraense.

 

 Artigo publicado por Charles Alcantara, presidente do Sindifisco-PA, na edição de 24.04.2011 do jornal Diário do Pará