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03/04/2020

Covid-19: A previdência dos servidores

Artigo* reflete sobre as finanças das famílias dos servidores públicos contaminados

Como estudioso da Previdência que me tornei, por necessidade de melhor desempenhar meu papel sindical, estive a refletir sobre aqueles servidores públicos (em especial os que ocupam cargos na área da Saúde) os quais – diante da pandemia do Coronavírus COVID-19 – podem vir a ser aposentados por invalidez permanente; ou, ainda, num cenário extremo, vir a falecer, seja no exercício das funções ou fora dela.
Diante dessa perspectiva, fica a reflexão de como ficarão as finanças das famílias (no atual panorama de uma possível aposentadoria por incapacidade permanente), bem como os efeitos nos beneficiários legais no caso de falecimento desse servidor.
A reforma trazida pela Emenda à Constituição Federal nº 103/2019 atinge e altera de forma nefasta a situação dos servidores públicos, seja na hipótese de aposentadoria, seja no caso de falecimento. Aqui no Estado do Pará, a reforma da previdência foi traduzida no teor da Emenda à Constituição Estadual nº 77/2019.

Antes de adentrarmos ao objeto do presente artigo, convém registrar a modalidade de aposentadoria especial, prevista no art. 19, §1º, I da EC nº 103/2019.

Tal modalidade – aplicável aos segurados que, até a data de entrada em vigor da Emenda, comprovem o exercício de atividades com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes durante, no mínimo, 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos – garante ao servidor (de ambos os sexos) perceber valor de 60% (sessenta por cento) da média aritmética de 100% (cem por cento) dos salários acrescido de 2% (dois por cento) por ano de trabalho especial acima de 15 (quinze) anos ou de 20 (vinte) anos.

Para que se enquadre na modalidade especial de aposentadoria, o servidor (além de ter que comprovar efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes) precisa cumprir a regra de pontos, em que o total da soma resultante da sua idade, do tempo de contribuição e do tempo de efetiva exposição deve observar (1) sessenta e seis pontos e quinze anos de efetiva exposição; (2) setenta e seis pontos e vinte anos de efetiva exposição; e (3) oitenta e seis pontos e vinte e cinco anos de efetiva exposição.

Cumprindo os requisitos acima, pode o servidor aposentar-se mais cedo, entretanto, o cálculo do benefício enquadrar-se-á na regra geral aplicável aos demais servidores públicos.

Passemos ao foco deste artigo.

Pois bem, no que tange à aposentadoria por incapacidade permanente a regra geral a ser aplicada ao servidor que apresente doença incapacitante ao trabalho é a percepção do benefício no valor de 60% (sessenta por cento) da média aritmética de 100% (cem por cento) dos salários acrescido de 2% (dois por cento) por ano de contribuição acima de 20 (vinte) anos se for homem ou de 15 (quinze) anos se mulher.

Como bem se observa, até então, já podemos identificar uma drástica mudança na forma de cálculo do benefício, enquanto anteriormente consideravam-se 80% (oitenta por cento) das maiores remunerações percebidas, com a reforma, agora, são computadas na totalidade, ou seja, 100% (cem por cento) de todas as contribuições vertidas por esse servidor.

Tal sistemática veio prejudicar, sobremaneira, o servidor pois, enquanto na antiga regra consideravam-se 80% das maiores remunerações (o que, por conseguinte, ocasionava o descarte das menores contribuições), no novel regramento a totalidade de todo o período contributivo do servidor sendo utilizado na base de cálculo tornará seu benefício menor justamente por não haver o descarte dessas menores contribuições. Isso sem considerarmos que, da média desses 100% (cem por cento), ele somente perceberá 60% (sessenta por cento) a título de benefício, acrescido de 2% (dois por cento) por ano, conforme o caso.

É oportuno consignar que a regra geral para o benefício aposentadoria por incapacidade permanente (em que o valor do benefício corresponde a sessenta por cento acrescido de dois por cento ao ano) não se aplica quando a incapacidade decorrer de acidente de trabalho, doenças profissionais ou doenças do trabalho, ocasião em que este servidor perceberá 100% (cem por cento) da famigerada média aritmética de 100% (cem por cento) dos salários.

Vale ressaltar, ainda, que ficou de fora da exceção tratada no parágrafo anterior aquele servidor que adquira uma doença grave, contagiosa ou incurável. Ou seja, diferentemente do regramento anterior que lhe assegurava a integralidade da média de 80% dos maiores salários contribuição, agora, este servidor acometido por uma moléstia grave, contagiosa ou incurável terá seu benefício calculado pela regra geral, ou seja, 60% (sessenta por cento) da média dos 100% (cem por cento) das contribuições.

Superadas as considerações que julgamos pertinentes à aposentadoria, passemos a avaliar a questão com enfoque no caso desse servidor vir a falecer.

Pela regra aprovada na EC nº 103/2019 a pensão por morte corresponderá a 50% do valor da aposentadoria (no caso de o segurado estar inativo quando de seu falecimento) ou do valor a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente para o trabalho. Acrescendo-se cotas, por dependente, de 10% (dez por cento) até o limite de 100% (cem por cento).

Além da mudança na forma de cálculo, nas cotas-parte dos beneficiários, a nova regra passou a determinar que, com a perda da qualidade de beneficiário, o valor da cota não reverte aos dependentes remanescentes.

A nova regra acima exposta apenas não será aplicada, no caso de haver dependente inválido ou portador de deficiência intelectual, mental ou grave, ocasião em que o benefício corresponderá a 100% (cem por cento) do valor da aposentadoria que o segurado recebia (no caso de estar inativo) ou da aposentadoria por incapacidade permanente a que teria direito (no caso de estar em atividade). Outra peculiaridade a se considerar, neste caso, é que o valor será recalculado quando não houver mais dependente nesta condição.

A vitaliciedade da pensão por morte e integralidade no valor do benefício foi assegurado apenas aos dependentes de policial civil e de servidor ocupante de cargo de agente penitenciário ou monitor socioeducativo que, no exercício ou em razão da função exercida, venha a sofrer agressão e, desta faleça.

Vale ressaltar que, diferentemente do que foi aprovado em muitos Estados da Federação (em que a regra da EC nº 103/19 foi aplicada), através de uma emenda (a qual tivemos efetiva participação) proposta na Assembleia Legislativa do Pará, a exceção tratada no parágrafo anterior que garante vitaliciedade e equivalência (com a remuneração do cargo do servidor falecido) no valor da ´pensão foi estendida aos demais servidores públicos estaduais. Tal conquista representa muito em favor do servidor pois, por exemplo, se este vier a falecer contando com apenas a metade do tempo exigido para se aposentar, o benefício de pensão não será atingido pelo tempo que faltaria, pelo contrário, ele será equivalente à totalidade da remuneração atual como pensão no Estado do Pará.

Importante, abordarmos, também a questão da acumulação da pensão por morte com outros benefícios que sofreu relevantes e consideráveis mudanças. Pela regra, é permitida a acumulação de pensão de um regime com pensão de outro regime; pensão de um regime com aposentadoria do RGPS ou RPPS; e pensão de atividade militar com aposentadoria no RGPS ou RPPS. Nesses casos, o beneficiário receberá 100% (cem por cento) do benefício mais vantajoso acrescido de 60% (sessenta por cento) do valor que exceder um salário mínimo até o limite de dois; 40% (quarenta por cento) do valor que exceder dois salários mínimos até o limite de três; 20% (vinte por cento) do valor que exceder três salários mínimos até o limite de quatro; e 10% (dez por cento) do valor que exceder quatro salários mínimos do outro benefício.

Isto é, quando o benefício menos vantajoso for de um salário mínimo, o servidor o receberá integralmente. Submete-se às faixas percentuais limite apenas o benéfico menos vantajoso que supere ao salário mínimo. Por exemplo, pensão de R$ 3.000,00 (três mil reais) e aposentadoria de R$ 2.000,00 (dois mil reais), o valor total a ser percebido será de R$ 4.200,00 (quatro mil e duzentos reais).

Há outra observação muito preocupante, trata-se do provedor solteiro ou separado judicialmente que tem filhos acima de 18 anos, quando a legislação diz que não caberá pensão aos maiores de idade e; que aos menores que completarem maior idade cessará a pensão sem reversão para o cônjuge, caso ele exista.

Na União e em alguns Estados onde os servidores da saúde não têm direito à totalidade da remuneração em caso de falecimento em atividade ou em virtude dela, estarão se sacrificando e poderão não deixar nada de pensão ou apenas uma parcela muito inferior ao que atualmente é o seu salário, quando aplicados os critérios de tempo de contribuição e média salarial de todo o período laboral.

Não foi observado o motivo do tratamento que deveria ser dispensado aos servidores públicos e agora o peso é desproporcional à segurança de seus familiares.

Tal problemática aqui apresentada, principalmente nos atuais tempos de pandemia do coronavírus (em que servidores podem ser aposentados por incapacidade ou, pior, acabem por falecer) nos leva a ter a sensibilidade de trazer à tona as nefastas regras e o prejuízo a que os servidores e seus beneficiários estão submetidos. Não é à toa que há em trâmite nos Tribunais, ações questionando a constitucionalidade de pontos constantes seja na Emenda à Constituição Federal, sejam nos Estados questionando as respectivas emendas às Constituições locais.

Com os efeitos dessa crise provocada pelo COVID-19, cremos que haverá uma maior demanda ao Poder Judiciário para que se garanta a preservação do Estado Democrático de Direito.
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* Antônio Carlos de Freitas Catete – Auditor Fiscal do Estado do Pará e Presidente do Sindifisco/PA e

* Cesar Augusto Gonçalves Silva – Advogado, especialista em Direito Administrativo e Administração Pública pela Universidade da Amazônia, e responsável pelo setor Jurídico do Sindifisco/Pará