Notícias

03/09/2013

Diário publica entrevista de domingo com visão de Charles Alcantara sobre punitiva Lei Kandir

Sob o título “Realidade paraense contrasta com o potencial de crescimento”, o jornal Diário do Pará dedicou o seu habitual entrevistão de domingo à opinião do presidente do Sindicato dos Servidores do Fisco Estadual do Pará (Sindifisco), Charles Alcantara, sobre impactos da Lei Kandir na economia paraense. “A Lei Kandir atendeu interesses do mercado de nossos produtos primários”, analisa Alcantara, apresentado na entrevista como coordenador política da campanha da ex-governadora Ana Júlia, ex-chefe da Casa Civil do governo e hoje integrante da coordenação nacional da Rede Sustentabilidade, o partido fundado pela ex-ministra Marina Silva para disputar a presidência da República em 2014.
 
Leia a íntegra da entrevista publicada neste domingo, 1º de setembro, na página A4 do Diário do Pará:
 
Coordenador da campanha vitoriosa de Ana Júlia Carepa (PT) para o Governo do Estado, em 2006, Charles Alcântara esteve à frente da transição política e ajudou na montagem do novo governo. Foi chefe da Casa Civil de janeiro de 2007 a abril de 2008, atuando como articulador político do governo do PT, partido que deixou em 2010, depois de uma militância de 25 anos. Hoje, ele é coordenador nacional da Rede, de Marina Silva, e porta-voz do partido no Pará. Natural de Belém, 48 anos, formado em Ciências Contábeis e Administração, Charles Alcântara foi reeleito presidente do Sindicato dos Servidores do Fisco Estadual do Pará (Sindifisco), em 2009 com mandato até junho 2014.

Nesta entrevista ao DIÁRIO ele analisa o impacto negativo que a Lei Kandir trouxe ao Pará, critica o atraso na decisão do governo em tentar revertê-la e vê méritos na proposta apresentada presidente da Federação das Associações dos Municípios do Estado do Pará (Famep), Helder Barbalho. Confira:

P: O que representou a Lei Kandir para a economia do Brasil?
R: É bom dizer um pouquinho como era antes da Lei Kandir. Antes, todos os produtos primários exportados no Brasil sofriam uma tributação de 13% de ICMS. Cobrava-se ICMS toda vez que se exportava produtos primários no Brasil. Havia uma faixa de semielaborados diminuindo até que os produtos acabados não sofriam tributação. Não havia cobrança de ICMS nos produtos industrializados. Por que essa distinção: produto primário cobra tributo e produto industrializado não? Justamente porque a lei estimulava a industrialização e desestimulava, por outro lado, a exportação primária porque não agrega valor, não gera renda, enfim. A tributação era assim. Então para você ter o benefício da não tributação você precisava verticalizar, industrializar. Desgraçadamente, em 1996, o Governo Federal, o presidente Fernando Henrique Cardoso e Antônio Kandir, deputado do PSDB, propuseram a lei que levou o seu nome, Kandir, de desonerar todas as exportações, inclusive os produtos primários, sob o argumento de que não se exporta tributo, argumento, aliás, falacioso porque, por exemplo, a Austrália que é uma potência mineral já cobra tributo sobre os minérios, um argumento falacioso. Mas na verdade sob o argumento da balança comercial e do estímulo à exportação se criou o que eu considero essa medida lesa pátria, lesa sociedade, de permitir que fosse exportado produto primário, in natura, sem nenhuma tributação, sem nenhuma cobrança. Naquela ocasião os estados com esse perfil exportador como é o caso do Pará, primário exportador, um perfil que continua muitos anos depois. A Lei Kandir vai fazer, no dia 13 de setembro deste ano, 17 anos. O Estado brasileiro, a União, que foi a única favorecida por essa medida, prometeu que compensaria os estados pela perda do ICMS que deixou de ser arrecadado por eles.

P: Por que a União foi favorecida?
R: A união foi beneficiada com a política macroeconômica que atendia os interesses do mercado. Na verdade a Lei Kandir atendeu os interesses do mercado comprador que tinha interesse nos nossos produtos primários.

P: Foi a tal globalização?
R: Exatamente. Isso atendia uma necessidade de mercado, mas não uma necessidade da sociedade brasileira, do povo brasileiro. O povo brasileiro não foi beneficiado por essa lei. O povo paraense muito menos ainda. Foram lesados. Mas os mercados, as indústrias de mineração, estas sim foram altamente beneficiadas. Então veja você, desde a Lei Kandir, o Estado do Pará não foi recompensado devidamente conforme se anunciou. Nem de longe consegue suprir aquela receita que o Estado deixou de arrecadar ao ponto de o próprio governo agora, esses anos todos após a Lei Kandir, ir ao Supremo Tribunal Federal reclamar contra um fato que se perpetuou ao longo de 17 anos.

P: Eles próprios que propuseram a lei.
R: Claro, mas independentemente disso, o mais importante neste momento não é buscar quem foi o responsável, naquele momento. O problema é que todos nós, a sociedade brasileira e o governo também tem responsabilidade. Todos os que passaram. O governo do PT também não governou isto aqui por quatro anos? Por que não fez? Aliás, o PT – e eu estava no PT na época – bradou contra a Lei Kandir, denunciou a Lei Kandir, denunciou o saque, a espoliação. No entanto, ao longo dos quatro anos, o que fez para reverter essa situação, tendo o governo federal do mesmo partido. Poderia tê-lo feito, mas não fez, não sei por quê. O fato é que são R$ 20 bilhões, nós estamos falando de R$ 20 bilhões que o estado deixou de arrecadar, um Estado que tem um orçamento de R$ 18 bilhões. É mais do que o orçamento de um ano inteiro do Pará.

P: Essa perda o governo federal se comprometeu em compensar, mas nunca devolveu?
R: Nunca. Sempre devolveu um número muito menor do que a perda e esta compensação foi reduzindo ano após ano. Eu não sei exatamente quanto o Estado está recebendo. Ao longo da existência da Lei Kandir o Estado já recebeu R$ 6 bilhões, mas tem uma perda de R$ 20 bilhões. Enfim, um Estado como o nosso, uma potência mineral como é reconhecidamente, uma potência energética…

P: Era para ser rico.
R: Sem dúvida alguma, mas há uma irresponsabilidade da nossa classe política, um descompromisso, uma falta de paraensismo. Outros interesses movem a classe política no Pará para permitir essa espoliação e tanta miséria, às custas de um progresso. Mas de que progresso estamos falando e para quem é esse progresso? Quem se beneficia dele? Basta você ir a Parauapebas. Parauapebas é o terceiro município do Pará em casos de dengue, uma incidência alarmante de leishmaniose, esgoto a céu aberto, favelas urbanas, miséria, violência, prostituição. Esta é a realidade de Parauapebas que abriga a maior jazida mineral do planeta. Existe um progresso? Com certeza de uma casta, de um grupo muito pequeno. Porque o povo, este com certeza é absolutamente excluído de qualquer progresso material, qualquer benefício desse ilusório desenvolvimento.

P: Por que só agora o Governo do Pará tomou essa atitude?
R: Eu não tenho condições de julgar as intenções, tenho que me ater ao fato em si. O que fez o governo foi correto, não está errado. O que se pode julgar é por que não fez antes? O problema é saber também quem critica porque não foi feito antes, depende também de quem critica. E quem critica também poderia ter feio e não fez. O ato em si está correto, tinha que ser feito. Eu também acho que muitos anos se passaram, que isso já poderia ter sido feito antes por ele mesmo governador, mas também por outras forças políticas que governaram o Estado.

P: Quais estados tem se beneficiado mais dessa Lei Kandir?
R: A Lei Kandir não beneficia os estados, aliás, ela prejudica os estados. Agora tem estados que não são tão lesados porque não tem um perfil primário exportador. Os estados lesados pela Lei Kandir são os estados de perfil primário exportador que é o caso do Pará. O Estado do Pará é, sem sombra de dúvida, proporcionalmente o mais prejudicado da federação. É o mais lesado. A condição de vida do paraense não podia ser esta, com a potência mineral, com a potência hídrica que é, cada vez mais fornecendo energia para o Brasil, com as florestas que tem. Então o Pará, que é o estado potencialmente mais rico da federação, é um dos piores estados em desenvolvimento humano. Isto é incompreensível, inaceitável, uma indignidade. Isso deixa todos nós, na minha opinião, muito envergonhados dos políticos que nós temos porque não representam com dignidade, com lealdade. Então essa é uma questão importante que está em jogo. Estão aí as ruas se manifestando, se insubordinado contra essa ordem estabelecida. As pessoas estão cobrando desses representantes que de fato as representem. Isto não tem acontecido. Essa é uma coisa que no Pará é muito aguda. O Pará é talvez o Estado socialmente mais injusto da federação porque tem muita riqueza, mas um povo tão pobre, tão desassistido, tão marginalizado. O Estado que decresceu na federação no ranking de desenvolvimento humano, está aí o IDH municipal que atesta isso, que abriga o pior município em índice de desenvolvimento humano e que abriga também o pior município em desenvolvimento urbano que foi o caso de Marituba. Isso envergonha a todos nós.

P: Com o sistema antigo de cobrança de impostos, antes da Lei Kandir, nós já poderíamos ter uma economia verticalizada, até com fábricas de carro aqui?
R: É muito possível que sim. Se nós mantivéssemos a política de desestimular a exportação de produtos primários. A tributação pode cumprir e tem esse papel extrafiscal. Ela não tem apenas um papel arrecadatório, ela também tem um viés de instrumento de política econômica. Você não pode tratar igualmente um produto primário e um produto acabado. Dizer, como a Lei Kandir, “não importa se é acabado ou primário, nós não tributamos”. O que vai acontecer? Por que você vai verticalizar, investir para agregar valor se você pode exportar in natura, sem tributação? Até os trilhos e o trem para levar o minério para o exterior a gente importa, fabricados com o nosso minério.

P: O que o senhor acha da taxa de mineração?
R: Ela é absolutamente insuficiente. O que nós temos que cobrar das mineradoras é o uso da água que elas usam em quantidades abundantes e não pagam nada. A água é um bem público, um recurso hídrico. Nós consumidores pagamos pela água que consumimos. A taxa mineral é troco. Ela é desprezível diante de tudo o que nós deixamos de cobrar para os paraenses pela exploração mineral.

P: A proposta apresentada pelo presidente da Federação das Associações dos Municípios do Estado do Pará (Famep), Helder Barbalho, pode ser um caminho?
R: Essa proposta tem um mérito. Eu não a apreciei ainda detidamente, mas ela tem um mérito que é visível logo à primeira vista. Ela diferencia o tratamento para quem exporta o produto in natura, primário, daquele que verticaliza, que industrializa. Ela estabelece uma taxação diferenciada. Então ela já tem esse mérito de pronto que eu posso destacar como um ponto relevante. Eu só tive contato com essa proposta ontem (quinta, 29), ainda estou estudando, mas posso antecipar que ela tem esse grande mérito. Ela desestimula, penaliza mais, taxa mais quem exporta o minério bruto, com uma taxação maior que pode chegar até 6% e diminui um pouco a taxa, até 4%, para quem verticaliza. Esse é o mérito dessa proposta.