Discurso de posse de Charles Alcantara, presidente da Fenafisco. Charles Alcantara, presidente eleito da Fenafisco para o próximo triênio (2016- 2019), fez o discurso de posse no encarramento do XVII Conafisco, dia 01 de dezembro.
Na íntegra, o discurso:
Queridos companheiros e companheiras!
Estamos condenados a fazer escolhas e, em razão delas, a renunciar a infinitas outras possibilidades, sempre que fazemos uma escolha.
Não escolher, aliás, é uma escolha.
Acovardar-se, é uma escolha.
Lutar, é uma escolha.
Encontro-me, neste momento, entre os que escolheram lutar.
Que bom!
Lidamos permanentemente com a naturalização de uma realidade que nada tem de natural, porque inventada pelo Homem.
A chuva e ao mesmo tempo o calor de Belém, são naturais, embora as mãos do homem (pela cobiça e consumismo desenfreados) acabem por provocar alterações climáticas.
As montanhas, o mar, a floresta amazônica, são obras da natureza. Agredida pela espécie humana, é verdade, mas, ainda assim, obras da natureza.
A fome, o desabrigo, o analfabetismo, a desigualdade, os desequilíbrios regionais, a brutal concentração de riqueza, o racismo, a misoginia…não são naturais. São um fenômeno social, uma invenção humana!
A fome é um fenômeno biológico/natural (se não comemos, temos fome; se não saciamos a fome, adoecemos; se a fome torna-se crônica, morremos).
Mas a fome também é um fenômeno social, porque uma invenção humana, já que ocorre, não pela escassez de alimento, mas pela concentração de riqueza e pela exclusão social.
A corrupção é uma invenção humana.
A sonegação é uma invenção humana.
Toda invenção humana pode ser desinventada ou substituída por outras invenções, porque o Homem também inventou coisas extraordinárias; inventou a justiça, a igualdade, a fraternidade, o amor.
O Homem também inventou o tributo, a princípio como castigo infligido aos povos vencidos; a princípio, associado à ideia de dominação, de superioridade…
Mas o próprio Homem cuidou de inventar um novo Estado, não mais como propriedade de um Monarca ou tirano. Eis que o tributo foi desvestido de suas vestes primevas e revestido com trajes mais modernos, mas ainda assim, não plenamente voltado para o bem comum.
Hoje, o tributo não pode mais ser concebido se não para promover (como disse antes) a dignidade humana, para servir à coletividade no sentido mais pleno do termo, para remover iniquidades e assimetrias sociais e regionais, para promover o progresso e a justiça social para todos. É o tributo 3.0 (eu diria).
Tributo, é do bem!
Mas há homens maus: usurpadores, corruptores, enganadores.
E o que fazem esses Homens?
Dilapidam o tributo pago pela coletividade; apropriam-se dele, desviam-no.
E como respondemos ao saque dos tributos da coletividade?
Rechaçamos o tributo, ao invés de rechaçarmos os homens maus.
Por favor, peço-lhes que não interpretem a expressão “homens maus” no sentido moral. Trata-se de uma alegoria para representar os “fora da lei”: corruptos e sonegadores.
Tributo, é do bem!
Onde chega o tributo, chega educação, saúde, saneamento, cultura, lazer, transporte coletivo, água, energia, alegria, cidadania, pertencimento…
Tributo, portanto, é do bem!
O lugar onde existe miséria, exclusão, desamparo, ausência ou insuficiência de serviços públicos, é o lugar onde não chegou o tributo.
E o tributo não chega nesses incontáveis lugares de todo o país e para esses milhões de irmãos e irmãs, pelas mãos exatamente daqueles “Homens maus”.
O tributo não chega, porque desviado dos cofres públicos, pela corrupção e pela sonegação, que é um ato de corrupção, como bem disse a professora Grazielle (do INESC), uma das palestrantes deste Conafisco.
O tributo não chega, pelas próprias mãos do Estado, que pratica uma renúncia tributária absolutamente desproporcional, para não dizer irresponsável, em face da dramática realidade social brasileira.
A renúncia fiscal de nenhum ente federativo resiste a uma avaliação isenta sobre a relação custo/benefício.
Não há transparência; não há prestação de contas; o interesse verdadeiramente público, é o que menos conta.
O tributo não chega, porque não há vontade ou coragem para enfrentar os interesses dos grandes sonegadores e evasores, o que se expressa, por exemplo, na vergonhosa taxa de recuperação da bilionária (no caso do Pará) dívida ativa tributária, nas mãos de um punhado de poderosos e conhecidos sonegadores.
Para não ficar na retórica, faço questão de ilustrar, a partir de alguns números que expressam a realidade do meu Estado, o Pará:
Vejam o que está escrito na página 93 da LDO 2016 (Lei 8.232, de 15/07/2015) “Nos exercícios de 2016 a 2018, o Tesouro Estadual renunciará de suas receitas tributárias valores estimados em R$ 1, 2 bilhão, R$ 1,3 bilhão e R$ 1,4 bilhão, respectivamente, sendo importante ressaltar, que nas previsões de receitas tributárias para esse período, estas renúncias já foram devidamente expurgadas do cálculo dos tributos correspondentes, não impactando, portanto, nas projeções de receitas consideradas para definição das metas fiscais desse período.”
Em resumo: R$3.9 bilhões de renúncia fiscal (em apenas três anos)
Quase R$ 4 bilhões de tributos que não chegam àqueles lugares e àqueles irmãos e irmãs
Vamos falar um pouco da dívida ativa tributária?
Antes, ressalto que o sigilo fiscal previsto nos artigos 198 e 199 do CTN, que veda à Fazenda Pública e aos seus agentes (nós, no caso) – inclusive sob pena de responsabilização criminal – a divulgação de informação obtida em razão do ofício sobre a situação econômica ou financeira do sujeito passivo ou de terceiros e sobre a natureza e o estado de seus negócios ou atividades, não alcança a dívida ativa tributária.
Repito: a dívida ativa tributária não está protegida pelo sigilo fiscal.
Mais de R$ 9 bilhões é o montante da dívida ativa tributária em favor do Estado do Pará, dos quais mais de R$ 8 bilhões referem-se ao ICMS.
Cerca de noventa por cento desses mais de R$ 8 bilhões são provenientes de Autos de Infração lavrados pelos agentes do fisco: auditores e fiscais de receitas estaduais.
A sociedade paraense tem o direito de saber quem são esses devedores, como já o faz o Ministério da Fazenda, que divulga a lista dos contribuintes inscritos na dívida ativa tributária da União.
Os números de apenas três anos (2013, 2014 e 2015) expõem o tamanho do rombo:
Em 2013, mais de R$ 1, 5 bilhão em créditos tributários mantidos na esfera administrativa – fruto de autuações fiscais – e lançados em dívida ativa, pelo Fisco.
Em 2014, outros R$ 880 milhões. Mais de R$ 2,3 bilhões, em apenas dois anos.
Em 2015, mais R$ 1 bilhão.
Ou seja: mais de R$ 3 bilhões, apenas em três anos, em dívida ativa tributária.
A recuperação dessa dívida, judicial e extrajudicialmente, não passa da casa dos R$ 100 milhões por ano.
Fazendo as contas:
R$ 3,9 bilhões em renúncia tributária, de 2016 a 2018
+
R$ 3 bilhões inscritos em dívida ativa tributária, de 2013 a 2015
= R$ 6,9 bilhões
Eu estou enganado, ou os governos federal e estaduais andam falando por aí que não tem dinheiro e que por isso não tem outro jeito: que é preciso cortar “gasto” público?
Eu lhes pergunto: não tem outro jeito mesmo?
A PEC 241/55 é um crime contra a sociedade brasileira, um cinismo, uma apunhalada nas costas da sociedade brasileira!
A Pec 55 é criminosa, porque desvia a finalidade mais nobre do tributo, para enriquecer ainda mais os mais ricos…
A Fenafisco tem o dever de repudiá-la e de colocar-se ao lado do povo brasileiro contra essa barbárie.
A Fenafisco tem o dever de defender o tributo em toda a sua dimensão, apontando soluções para que a tributação no Brasil seja aplicada conforme o mandamento constitucional da capacidade contributiva.
A legitimidade da função exercida pelos servidores fiscais tributários (e pela própria AT) confunde-se e está irremediavelmente vinculada à legitimidade dos tributos em si. É o que nos ensina a professora Adriana Schier, no livro “A institucionalização da Administração Tributária), lançado aqui neste Congresso.
E vou além: não há como legitimar socialmente a AT sem trabalhar arduamente para legitimar socialmente o tributo (por intermédio da educação fiscal).
A Fenafisco, portanto, tem que se comprometer obstinadamente com a promoção da educação fiscal (e da cidadania fiscal);
A Fenafisco tem o dever de lutar ao lado do povo brasileiro, contra a corrupção e contra esse odioso crime social, que é a sonegação.
Aliás, em tempos de indignação (seletiva e espasmódica, em alguns segmentos da sociedade) com a corrupção, como se esta fosse um fenômeno recente dos negócios públicos, aproveito para, não em nome da Fenafisco (porque sequer discutimos resolutivamente esse tema), mas em meu nome, criticar os formuladores do famoso pacote de medidas anticorrrupção (popularizado com o nome de “10 medidas anticorrupção), por ignorarem por completo o crime de sonegação.
Supor que é possível enfrentar a corrupção sem enfrentar simultaneamente a sonegação (que abastece a corrupção, via caixa 2) é ingenuidade ou pretensão. Pretensão que beira à prepotência.
O enfrentamento da sonegação e da corrupção não é tarefa que se esgota ou se basta pelo esforço multiinstitucional. Tem que ser um esforço de toda a sociedade brasileira, a partir da afirmação de uma ética pública calcada na mais límpida transparência e no mais vigoroso controle social.
Se nem mesmo um conjunto de Instituições dá conta do enfrentamento desses crimes sociais, quanto mais uma só Instituição.
Eu não acredito em salvadores da pátria; eu não me dou o direito de confiar numa única Instituição que se pretenda representar o bem contra o mal.
Eu não me dou o direito de, em nome dessa pretensa “luta” do bem contra o mal, dar um cheque em branco a qualquer Instituição (por mais respeitável que seja) ou a quaisquer grupos ou “forças-tarefas” ou “ligas” (por mais respeitáveis que sejam os seus membros e por mais nobres que sejam os seus propósitos), para agir acima das leis e da Constituição.
Eu não me dou o direito de cair nessa conversa (que beira à chantagem) de que as chamadas “autoridades” podem abusar de suas prerrogativas, sem que haja consequências, sem que haja punição.
Eu não me dou o direito de acreditar em superioridade moral de qualquer Instituição sobre as demais e sobre a sociedade brasileira.
Muitos de nós, aqui neste salão, somos autoridades administrativas.
Eu lhes pergunto: se cometermos algum abuso de autoridade, é certo que fiquemos impunes?
É certo/é lícito/é adequado/é legítimo alegarmos que as punições contra eventuais ilegalidades que cometermos, são uma forma de cercear o nosso trabalho e de amordaçar o exercício da nossa honrosa função pública?
Então porque diabos juízes e promotores querem ficar imunes à sanção legal, quando fizerem mal uso de sua “autoridade”?
Com todo respeito, o que pensam que são esses senhores?
Ao que me consta, ao menos de acordo com a Carta Magna, ninguém está acima da lei. E quando esse “alguém” é um agente da lei, essa verdade é ainda mais gritante.
Enfim, companheiros e companheiras, não teremos vida fácil pela frente.
Mas, juntos, haveremos de construir um futuro melhor para o Brasil.
Muito obrigado!
Declaro encerrado o XVII Congresso Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Conafisco).