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27/08/2015

Imposto sobre heranças e doações

Wilson De Faria*

Com vistas a concretizar o ajuste fiscal, o Governo Federal vem anunciando sua intenção de promover um aumento no imposto sobre heranças e doações (ITCMD), elevando de 8% para 20% a sua alíquota máxima e implementanto sistema de alíquotas progressivas, em função do valor doado ou herdado.

A justificativa “técnica” para o aumento é que, no Brasil, este tipo de tributação é baixa com relação ao resto do mundo, correspondendo a apenas 0,09% do PIB. A alíquota efetiva média adotada no Brasil hoje é de 3,86%. Em outros países como Chile, Estados Unidos ou Japão esta alíquota é bem superior (15,5%, 29% e 30% respectivamente). Ocorre que nestes mesmos países, a carga tributária total é menor que no nosso, mesmo com um imposto de heranças e doações maior. Os países citados na verdade têm carga de tributos total de 21% (Chile), 26,9% (Estados Unidos) e 28,3% (Japão). A carga tributária total do Brasil é de 34,4%, ainda sem o aumento deste imposto (base Heritage Foundation – 2015 Macro Economic Data).

De fato, a tributação no Brasil ainda é mais voltada à circulação e menos à renda. Por esta razão o brasileiro paga tão caro nos bens de consumo. Agora o governo pretende cobrar tributos altos sobre circulação e aumentar os incidentes sobre o patrimônio e a renda. Neste sentido, existem projetos para a criação do imposto sobre heranças, fim da isenção sobre distribuição de dividendos e pagamento de juros sobre capital próprio.

A progressividade do ITCMD deverá ser implementada de acordo com o patrimônio doado ou herdado. Ocorre que a definição destas faixas certamente seria subjetiva, para não dizer arbitrária. Tomando o histórico do nosso Fisco, tributação por faixas sempre penaliza o contribuinte, mesmo porque os valores em geral são expressos em reais e acabam sendo corroídos pela inflação.

O apelo popular deste tipo de tributação também é bastante questionável. Com o advento de uma classe média baixa que passou a ter algum patrimônio (carro, casa etc.), uma parcela expressiva da população que nunca se preocupou com imposto de herança vai ter de suportar este novo encargo.

No caso específico do imposto sobre doações e heranças, este aumento ainda vai contra a lógica da atração de investidores, investimentos e pessoas de alta renda. Países desenvolvidos como a Suíça e a Grã-Bretanha têm criado mecanismos para atrair famílias estrangeiras com grande patrimônio (high network individuals) através da redução deste tipo de tributação. Esta foi uma das principais razões que levaram Paulo Lehman e seus sócios a fixar residência na região de Zurique. Outros países, como a França, recentemente tiveram uma debandada de cidadãos que fugiram ao aumento deste tipo de tributação.

Existe ainda uma grave questão técnica: o ITCMD é um imposto estadual, conforme previsto na nossa Constituição Federal. Já houve uma tentativa de federalizar este imposto através de um Projeto de Emenda Constitucional (PEC 17/2003) do então senador Aluízio Mercadante. Essa tentativa, no entanto foi rejeitada pela Comissão de Constituição e Justiça por ameaçar a forma federativa de Estado.

O Governo Federal tenta novamente mudar a natureza deste imposto e arrecadar uma parte deste aumento para os cofres federais. Além do precedente negativo citado, esta pretensão fere claramente o princípio constitucional da não-cumulatividade (Art. 154, I). Seria necessária uma tremenda “ginástica” para alteração de diversos artigos e princípios constitucionais a fim de viabilizar esta malfadada ideia.

Em minha opinião, famílias com recursos vultosos terão um grande estímulo para mudar de residência fiscal caso este projeto vá adiante. Essa medida pode, na verdade, a médio prazo, reduzir a arrecadação de tributos no país. Está ficando cada vez mais caro morar no Brasil, e a qualidade de vida está cada vez pior. Falta de segurança, de água, corrupção, injustiça social, ensino ruim mesmo nas melhores universidades, aumento do trânsito e poluição das grandes metrópoles. Esta conta pode começar a não fechar.

*Autor é advogado e administrador de empresas, pós-graduado em Direito Tributário, mestre em Administração pelo INSEAD/França e sócio da WFaria Advocacia em São Paulo 

 Fonte: Fenafisco/Portal A Rede