O julgamento do controverso crédito-prêmio do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) pacificou a tumultuada jurisprudência sobre a matéria e encerrou a guerrilha dos pareceres e as negociações, nem sempre virtuosas, entre contribuintes e autoridades. Esse longo e tortuoso processo, infelizmente, vitimou e privilegiou contribuintes.
O Fundo de Participação dos Estados (FPE), constituído por transferências federais à conta do Imposto de Renda e do IPI, era, desde a origem, repartido proporcionalmente ao tamanho da população, inverso da renda per capita e área territorial de cada participante, nos termos do artigo 88 do Código Tributário Nacional (CTN).
A Constituição de 1988, no artigo 161, inciso II, acolheu as regras fixadas no CTN, ao estipular que os critérios de rateio do FPE deveriam objetivar a promoção do equilíbrio socioeconômico das entidades federativas.
Em 1989, com base em nebulosas negociações entre os secretários de Fazenda, foi sancionada a Lei Complementar n.º 62, cujo artigo 2.º fixou critérios arbitrários para se proceder à partilha daquele fundo.
Essas regras seriam válidas apenas nos exercícios de 1990 e 1991. Não foi assim, contudo, que aconteceu. Como muitas vezes ocorre no Brasil, o provisório pretendeu perpetuar-se, permanecendo em vigor até hoje.
Em 2010, o STF, no julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade por omissão, pôs termo a essa esquisitice. Cuidou, entretanto, de modular os efeitos da sentença, ao admitir a permanência das regras até 2012. Findo esse prazo, caso não venha a ser aprovado um novo marco legislativo para a matéria, haverá a suspensão das transferências à conta do FPE.
Pesa, pois, sobre o Congresso Nacional a enorme responsabilidade de estabelecer, naquele prazo, os critérios de rateio, sob pena de levar à falência a maioria dos Estados brasileiros.
A perspectiva de exploração do pré-sal estimulou debates, ainda não encerrados, sobre os critérios para as transferências federais decorrentes de royalties e participações especiais na exploração do petróleo. Tudo isso possibilita a rediscussão do federalismo fiscal brasileiro, abrangendo as transferências compulsórias e voluntárias.
Na semana passada, o STF decidiu, de forma irretocável, sobre a inconstitucionalidade da guerra fiscal no âmbito do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), ao apreciar várias leis que tratavam de benefícios concedidos pelos Estados.
A Lei Complementar n.º 24, de 1975, recepcionada expressamente pela Constituição de 1988, condicionou a concessão de qualquer benefício fiscal do ICMS à aprovação unânime dos Estados. A inobservância dessa norma implica nulidade do ato, ineficácia do crédito e, a juízo do Tribunal de Contas da União (TCU), presunção de irregularidade nas contas governamentais.
Esse regramento foi solenemente desconhecido por todos os Estados, especialmente a partir do final dos anos 80, gerando um clima generalizado de torpeza e condescendência. Tais circunstâncias autorizaram o desenvolvimento de propostas, como o controverso princípio do destino, tendo como argumento implícito a hipótese de que a lei jamais seria observada, o que depõe contra o Estado Democrático de Direito. Guerra fiscal do ICMS, como eu já afirmara inúmeras vezes, decorre apenas de um flagrante descumprimento da lei.
Ainda que se alegue que as decisões do STF cuidaram tão somente de leis específicas, seria imprudência não entender que aquela Corte firmou um juízo definitivo sobre a inconstitucionalidade da guerra fiscal do ICMS. Não se pode esquecer de que as ações foram relatadas por diferentes ministros, com fundamentação assemelhada, e as decisões, tanto quanto às relativas ao crédito-prêmio do IPI e ao FPE, foram tomadas por unanimidade.
O fim da malsinada guerra fiscal, todavia, importa em alguns problemas. Como o TCU reagirá à vista de sua competência para estabelecer a presunção de irregularidade nas prestações de contas governamentais? Quais serão as iniciativas do Ministério Público, como fiscal da lei? Como ficarão as empresas que realizaram investimentos e, em tese, deixaram de recolher impostos em virtude dos benefícios outorgados?
O enfrentamento desses problemas exige disposição para o diálogo entre os Estados e, quase inevitavelmente, a edição de leis e resoluções que demandarão iniciativas do governo federal e do Congresso Nacional. Nesse contexto, cabem discussões sobre uniformização das alíquotas interestaduais, restrições à redução de base de cálculo, faculdade para instituição de alíquotas internas inferiores à interestadual e, sobretudo, requisitos para a prática da competição fiscal lícita.
As decisões do STF, sem nenhuma dúvida, ofereceram uma extraordinária oportunidade para rediscutir o federalismo fiscal e os limites da autonomia dos Estados na administração do ICMS, o que, afinal, já corresponde a uma importante reforma no sistema tributário brasileiro.
Fonte: O Estado de S.Paulo