Notícias

24/04/2020

Saúde emocional em tempos de pandemia

É preciso equilíbrio para vencer o vírus e também uma situação difícil e desconhecida.

Com o avanço da pandemia provocada pelo novo coronavírus, o mundo todo se viu diante de grandes desafios que levaram a medidas extremas para combater o crescimento exponencial do contágio. Uma dessas medidas afeta a liberdade de ir e vir, mas que tem sido a melhor alternativa para reduzir ao máximo o número de infectados: o isolamento social.
Nesse momento, são os profissionais da área da saúde que seguem na linha de frente do combate à pandemia e, entre eles, estão os psicólogos que cada vez mais são chamados a orientar pessoas que precisam lidar com os sentimentos e emoções decorrente do isolamento social e do medo de contrair a doença.

54ca8cfb-4304-43b2-91ca-56cc487f8959
A psicóloga Eliana Semblano

Para responder algumas perguntas sobre a saúde emocional nesses tempos de coronavírus, convidamos Eliana Semblano, psicóloga com experiência em Psicologia Institucional e Clínica Psicanalítica, e também Especialista em Gestão de Pessoas.

PERGUNTA : Raiva, medo do isolamento, ansiedade, incerteza, angústia são sentimentos que hoje podem fazer parte do estado emocional de muitas pessoas ou dizer isso é um exagero?

RESPOSTA : As situações que envolvem limites entre a vida e a morte nos impõem condições de fragilidade, medo, incertezas e sentimentos de urgência. Estas emoções costumam dominar a maioria de nossas ações. Somos seres formados por forças e fraquezas, e o isolamento social nos impôs novos desafios de enfrentamento diante de sentimentos que já existiam em nós, potencializando-os e provocando outros. A angústia, a solidão e o abandono podem nos afetar nesses momentos, por isso, ações de solidariedade,  cuidado e apoio emocional são fundamentais e necessários. A empatia, assim como a idéia de convivência em rede, pode nos salvar, podemos ficar juntos mesmo estando separados, a comunicação via redes sociais pode garantir a escuta compartilhada e pode também transformar-se em ações concretas, seja de ajuda emocional, material ou boas orientações em condutas de saúde. Creio que os idosos, por suas condições de maior fragilidade, nos demandam um pouco mais de cuidado e atenção. É desafiador mantê-los em casa sem que experimentem certa irritação e frustração por não poderem realizar a rotina a qual estão habituados, da mesma forma que os adolescentes, acostumados com a liberdade e o desejo sempre presente de estar em grupo. O desafio é enorme estamos aprendendo a lidar com o desconhecido, isso nos traz impotência e incertezas. Nós que vivemos num mundo que nos cobra planejamento, eficiência e competência em tudo, agora sentimos na pele que o imprevisível pode nos surpreender e nos nivelar em nossa condição humana.

PERGUNTA : O que pode acontecer se não dermos atenção aos cuidados com a sua saúde emocional? Há riscos de desenvolver alguma “patologia” emocional ou clínica?

RESPOSTA : Vou começar citando uma frase do Freud na obra O mal estar na civilização : “Afinal, o que nos salva, empatia ou anestesia?”. Temos visto que boa parte da sociedade brasileira tem optado por um certo negacionismo diante da gravidade da doença e a negação costuma ser um recurso recorrente quando escolhemos não lidar com uma realidade adversa, em que não nos sentimos preparados para dar respostas a altura de sua importância. Isso é muito comum e todos nós já tivemos essa reação diversas vezes ao longo da vida, entretanto, o enfrentamento da realidade na forma como ela se apresenta costuma trazer ganhos emocionais maiores e mais duradouros. Enfrentar a angústia é sempre muito difícil, alguns recorrem a medicações, outros procuram ajuda terapêutica ou simplesmente preferem conversar com amigos, ou ainda desabafar no Facebook e Instagram, sendo que esta última opção, a meu ver, costuma trazer alguns prejuízos e pouca eficácia. O mal estar psicológico pode comprometer nossa capacidade de adaptação e reação a situações de pressão emocional e estresse, por isso, um bom caminho é sempre procurar ajuda. Sofrer só é sempre a pior opção. É preciso juntar-se a outros por telefone, videoconferência ou procurar atendimento psicológico on line. Vários profissionais disponibilizam esse atendimento. Intercalar as atividades domésticas com exercícios físicos, meditação, alongamento ou qualquer outra atividade de sua preferência, como cozinhar, ler um bom livro, assistir TV ou ver filmes e séries. Essas são algumas estratégias que nos ajudam a atravessar a tormenta. É importante diversificar as atividades porque as repetições podem causar estresse. Dias melhores virão e poderemos sair dessa como pessoas melhores no sentido da solidariedade e da empatia.

PERGUNTA : É possível lidar com o isolamento social sem comprometer a saúde emocional? Existe algum fator que deve ser minimamente seguido por todos?

RESPOSTA : Essa é a pergunta que todos nós profissionais da saúde mental gostaríamos de responder positivamente. A questão aqui é um a um, caso a caso. Não existe uma fórmula universal, assim como não existe um remédio certo e nem vacina. No campo emocional as diferenças individuais – as subjetividades que nos tornam indivíduos únicos, diferentes em nossos afetos e em nossa capacidade de responder às situações de pressão e limites – fazem com que cada conduta exija uma resposta ou uma interpretação. Aqui trata-se de seres humanos, diferentes em sua complexidade, não existem respostas prontas ou fórmulas mágicas. Quem consegue se adaptar melhor às exigências talvez adoeça menos, quem apresenta mais fragilidades pode vir a ter mais sintomas. Quero que fique claro que as comparações não são oportunas, nem justas e nem devem levar a sentimentos de inutilidade ou inadequação. Estar em sofrimento num momento como esse não é sinônimo de fracasso, apenas nos revela que todos nós estamos expostos não somente ao vírus, como também às vicissitudes do momento atual, que é real, difícil e desconhecido. Infelizmente temos algumas estatísticas ruins quando se trata de enfrentamento e de respostas ao isolamento: aumento nos casos de violência doméstica, conflitos familiares e conjugais, enfim, o que o cotidiano corrido ajudava a camuflar, o confinamento potencializa. Ao mesmo tempo não poderia deixar de observar um movimento positivo e animador no que diz respeito aos laços sociais que vêm se firmando, uma conexão maior entre as pessoas pelas interações, maior proximidade, contatos mais frequentes e por fluxos de informações. Aqui uma ponderacão importante a ser feita é quanto aos possíveis excessos dessas informações que podem nos levar a exaustão. O mais relevante mesmo é a solidariedade advinda desses laços, implicando em uma preocupação maior com o bem estar do outro, como exemplo podemos citar: correntes de oração, vaquinhas para compras de cestas básicas, doação de medicamentos ou gestos simples, como levar bolos caseiros e sanduíches para os profissionais de saúde de plantão nos hospitais. São gestos que nos humanizam, nos tiram do individualismo e egocentrismo tão marcante em dias que, parece, podem melhorar. Tomara!