O presidente do Sindicato dos Servidores do Fisco Estadual do Pará (Sindifisco), Charles Alcantara, alertou em carta aberta divulgada nesta quarta-feira, 16, os deputados federais
e senadores do Pará para o poder devastador do Projeto de Lei do Senado (PLS) 323/2010 e dos Projetos de Lei Complementar (PLP) 221/2012 e 237/2012 nas finanças públicas do Estado. Previstos para ir à votação da Câmara Federal no final deste mês de abril, os projetos propõem alterações na Lei Complementar 123/2006 (Lei do Simples Nacional).
A mais grave mudança, embutida nos dispositivos legais propostos com clara inspiração nos interesses empresariais e em detrimento do erário – sob o pretexto de contraponto à pesada carga tributária (que na verdade fragiliza mais o trabalho do que o capital – é o fim da distribuição tributária do Simples Nacional. “É mais um golpe contra os Estados e Municípios”, advertiu Alcantara, enquanto redigia a carta, muito preocupado com a queda livre dos repasses federais para os demais entes da federação.
“A União promove um violento arrocho fiscal contra estados e municípios brasileiros, que são tratados como perdulários e irresponsáveis e, portanto, merecedores do patrulhamento e dos castigos do governo central”, afirma o presidente do sindicato que reúne auditores e fiscais de receitas do Estado.
De acordo com dados apresentados pelo sindicalista na carta aos parlamentares, reproduzindo balanço da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), as cidades paraenses perderam R$ 9,9 bilhões para a ininterrupta série histórica de quedas nos repasses do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) em sete anos. Já o Pará deixou de receber quase meio bilhão de reais de Fundo de Participação dos Estados (FPE) somente em 2013.
Leia a íntegra da Carta Aberta:
Carta Aberta aos Deputados Federais e Senadores do Estado do Pará
Mais um desfalque, não!
Senhora Deputada Federal,
Senhores Deputados Federais,
Senhores Senadores,
Há muito se maldiz a elevada carga tributária brasileira, embora qualquer pessoa bem informada e de boa fé reconheça maniqueísmo e falácia no consenso fabricado pelo poder econômico de que a carga tributária brasileira é elevada para todos, indistintamente.
Afinal, a carga tributária é elevada para quem?
É falsa a premissa de que a carga tributária é elevada para todos. É (a carga tributária), isto sim, mal distribuída, vez que pesa muito mais sobre o trabalho e muito menos sobre o capital.
As campanhas em defesa da redução da carga tributária patrocinadas pelos agentes econômicos, a pretexto de defenderem a sociedade contra a sanha arrecadadora do Estado, omitem que muitos dos bilhões pagos pelo contribuinte brasileiro em impostos, são apropriados por sonegadores e jamais chegam aos cofres públicos.
É fato que a injusta distribuição da carga tributária e a baixa taxa de retorno social dos tributos pagos pela coletividade, fruto da corrupção, da sonegação e do desperdício, ao tempo em que acentuam a resistência ao pagamento de impostos e legitimam socialmente a sonegação – que é espertamente associada à sobrevivência ou até mesmo a uma forma de protesto contra a tirania estatal e a omissão dos governantes -, também chancelam a demagogia tributária, caracterizada pela generalização da desoneração e da concessão de benesses tributárias propagandeadas como medidas de estímulo ao desenvolvimento, mas que, na verdade, servem mesmo para manter a desigualdade e perpetuar a concentração de renda.
Mas o imposto é um imperativo social, sem o qual não haveria a mais remota possibilidade de promover-se a justiça e a paz social; sem o qual não haveria a mais pálida possibilidade de assegurar-se uma vida coletiva solidária e fraterna; sem o qual o ideal de cidadania seria uma quimera.
Arrocho
A União promove um violento arrocho fiscal contra estados e municípios brasileiros, que são tratados como perdulários e irresponsáveis e, portanto, merecedores do patrulhamento e dos castigos do governo central.
No caso do FPE e do FPM, por exemplo, a União vem impondo enormes perdas a estados e municípios em razão da sistemática desoneração de IPI.
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) acaba de apresentar em Belém, por ocasião do lançamento da Campanha “Viva o seu Município”, o tamanho do rombo aberto nos cofres dos municípios paraenses em sete anos de sucessivas quedas no repasse do FPM: R$ 9,99 bilhões.
Isto mesmo! Os municípios paraenses foram desfalcados em quase R$ 10 bilhões nos últimos sete anos.
Somente em 2013, o Pará deixou de receber quase meio bilhão de reais de FPE, considerando-se o valor estimado pelo próprio governo federal que serviu de base para a elaboração da Lei Orçamentária daquele exercício (2013).
O argumento de que houve incremento do FPE/2013 em relação ao do ano anterior (2012), embora verdadeiro, é imprestável para desmentir a perda sofrida pelo Pará e por todos os estados e municípios brasileiros, uma vez que uma comparação honesta não deve ser feita entre o FPE/2013 e o FPE/2012, mas entre o valor estimado pela União e o efetivamente realizado, porque é com base no repasse estimado pela União que estados e municípios elaboram os seus orçamentos anuais e, portanto, fixam as suas despesas para o período.
Ao lançar mão da desoneração de IPI, em boa parte do ano, o governo federal acabou por comprometer gravemente as finanças estaduais e municipais, que amargaram o desmantelamento de seus orçamentos anuais, com nefastas consequências sobre os serviços públicos e os servidores públicos.
Fim da substituição tributária do Simples Nacional: mais um golpe contra estados e municípios
Corolário da falsa tese de que o problema brasileiro é a alta carga tributária e de que, portanto, emprego e desenvolvimento se resolvem com a mera e irresponsável redução de impostos, eis que tramitam no congresso nacional projetos que agravam ainda mais as já combalidas finanças estaduais e municipais.
É o que se depreende do Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 323/2010 e dos Projetos de Lei Complementar (PLP) 221/2012 e 237/2012, que propõem alterações na Lei Complementar nº 123/2006 (a Lei do Simples Nacional), cuja mais grave alteração consiste na vedação ou restrição da aplicação da substituição tributária nas saídas destinadas a contribuintes optantes do Simples Nacional.
Essa alteração, se acolhida pelos representantes do povo na Câmara dos Deputados e pelos representantes dos Estados federados no Senado da República, representará uma odiosa ofensa – mais uma – à competência constitucional dos Estados em relação ao seu imposto mais importante e, ainda mais, um pesado desfalque em suas receitas tributárias, isto sem falar no desmonte dos sistemas de controle e fiscalização, tão vitais à livre e justa concorrência reclamada pelo mercado.
Mas a pretensão legislativa não se restringe a esse ataque aos cofres públicos. O Projeto 221/2012, que tramita na Câmara dos Deputados, ao propor a redução do prazo decadencial de 5 anos para 2 anos, avança contra o Código Tributário Nacional (Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966), que cumpre as funções da lei complementar exigida pela Constituição Federal de 1988. A redução da decadência para infrações ou crimes tributários cometidos por contribuintes optantes do Simples Nacional é um desatino jurídico e ético, na medida em que passa a tratar a infração ou crime contra a ordem tributária em função do tipo de contribuinte.
De que vale nos jactarmos das nossas riquezas naturais e da nossa condição de um dos esteios da balança comercial brasileira, se padecemos de miséria e abandono crônicos, cuja superação jamais será alcançada mantendo-se inalterado o perfil da receita tributária estadual?
De que vale nos jactarmos das ricas florestas, dos rios gigantes e de sermos um colosso tão belo e tão forte, se, por gerações somos submetidos ao vilipêndio, ao saque e ao desdém?
Os quase R$ 20 bilhões de perda imposta pela Lei Kandir; o impedimento constitucional de tributar a energia elétrica que produzimos e fornecemos ao país, sob pesado custo ambiental e social; a crônica redução do FPE, por conta do modelo federal de desoneração sistemática do IPI; e, agora, mais um ataque ao pacto federativo, com a tentativa de acabar com um importante mecanismo de controle, fiscalização e arrecadação tributária, que é a substituição tributária.
Quem vai pagar essa conta?
A enorme dívida social dos governos – central e local – para com o povo do Pará não será paga com medidas como o fim da substituição tributária, cujo único resultado inquestionável será a redução da arrecadação tributária, que já se apresenta tão débil diante das clamorosas e urgentes demandas por investimento público.
Vale ressaltar que o mecanismo da substituição tributária ou de cobrança antecipada de ICMS pelas unidades fiscais localizadas nas divisas entre estados não tem finalidade meramente arrecadatória, mas de salvaguarda dos empreendedores locais contra práticas prejudiciais a um ambiente de concorrência justa e equilibrada em razão de eventuais privilégios tributários concedidos a contribuintes de outros estados que destinam mercadorias aos consumidores paraenses.
Sem negar a necessidade de se rever distorções e excessos na utilização da substituição tributária, que deve ter a sua aplicação permanentemente submetida a exame, apontamos que a sua extinção – como pretendem alguns setores empresariais e políticos – ou redução drástica – como pretendem outros – é um erro crasso que acarretará graves prejuízos à sociedade brasileira e paraense.
Se o intento verdadeiro é incentivar o surgimento, a sobrevivência e o desenvolvimento das micro e pequenas empresas, defendemos que o caminho mais adequado, democrático e ético é a abertura e concessão de linhas de crédito especial, facilitado e em larga escala, não apenas para as linhas de produção e comercialização, mas para fomentar pesquisa e inovação tecnológica, como o fazem outros países desenvolvidos, ao invés da demagogia tributária, que deseduca, desinforma e prejudica a maioria.
O fim da substituição tributária, se pode ser benéfico – e certamente o é – para um grupo de empresas e alguns políticos por ela financiados, será extremamente prejudicial para a grande maioria da população paraense, nela incluídos os servidores públicos, que sempre pagam a conta em caso de queda ou insuficiência da receita pública.
Ainda que haja mérito na iniciativa parlamentar de acabar com a substituição tributária e ainda que tal medida viesse a melhorar a vida de determinado segmento empresarial, estamos certos de que essas melhorias, ainda que legítimas, não alcançarão a maioria absoluta da população embora esta seja chamada a pagar a conta, cujo levantamento técnico do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) estima em RS 19 bilhões/ano para os Estados e o Distrito Federal, com repercussão para todos os municípios brasileiros, já que estes recebem 25% do ICMS arrecadado.
Segundo o mesmo levantamento, somente o Estado do Pará deve perder algo em torno de R$ 399 milhões/ano, com viés crescente.
Apoiar mais esse desfalque de R$ 399 milhões contra o Pará não é prejudicial ao governo de plantão, mas aos mais pobres, porque estes é que mais precisam e dependem dos serviços públicos.
O Sindicato dos Servidores do Fisco Estadual do Pará – Sindifisco-PA, por esta Carta, pede a vossas senhorias que façam prevalecer os interesses maiores do povo do Pará e que, portanto, rejeitem essa medida nociva à autonomia do nosso Estado e aos cofres públicos estaduais.
Belém, 16 de abril de 2014
Charles Alcantara
Presidente do Sindifisco-PA