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04/08/2020

Taxar os mais ricos e vencer a crise

Artigo mostra ser possível reduzir as desigualdades com uma reforma solidária.

Para reconstruir o País, é preciso tributar os super-ricos

Charles Alcantara*

A pandemia da Covid-19 provocou a crise econômica mais grave em quase um século. Uma realidade triste, que
impõem mudanças urgentes. O que pode ser visto como a maior tragédia da história da nossa geração, também
pode ser visto como a oportunidade de, finalmente, mudarmos nosso sistema tributário.
A história nos ensina que em momentos de catástrofe econômica, o papel do Estado deve ser reforçado e a tributação cumpre papel importante nesse processo. Se bem calibrada, ela pode ser usada como instrumento de
política pública para conter o aumento da desigualdade provocado pela crise, mas também para reduzi-la, pelo
fortalecimento das políticas públicas a cargo do Estado. Para isso, é preciso mexer na ferida, mudar o sistema que
pesa sobre o consumo dos mais pobres, desonera a renda dos mais ricos e concentra as riquezas na União, em
detrimento de estados e municípios.
Para enfrentar a questão, a Fenafisco (Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital), a Anfip (Associação
Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil), o Instituto Justiça Fiscal, o Coletivo AFD (Auditores
Fiscais pela Democracia), ao lado de acadêmicos e entidades do fisco federal, formularam o documento “Tributar
os super-ricos para reconstruir o país”. Com oito propostas de leis que isentam os mais pobres e as pequenas
empresas, fortalecem Estados e Municípios e aumentam a arrecadação em cerca de R$ 292 bilhões. As medidas
não aumentam impostos para 99,7% da população e apresentam uma distribuição equilibrada do bolo tributário,
garantindo R$ 86,2 bilhões adicionais para Estados e R$ 56,3 bilhões para Municípios.
Atualmente, as unidades da federação são extremamente dependentes do ICMS (Imposto sobre Circulação de
Mercadorias e Serviços), o que as deixa mais vulneráveis a crises econômicas, incluindo, a advinda da pandemia
da Covid-19. É preciso incrementar o federalismo fiscal empregado na partilha das receitas do Imposto de Renda,
como também é necessário regulamentar de uma vez por todas o Imposto sobre Grandes Fortunas, além de
aperfeiçoar o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).
Em meio à triste realidade que vivemos, enquanto milhões de pessoas ficaram desempregadas e sem renda, vimos
o patrimônio dos 42 bilionários do Brasil crescer em US$ 34 bilhões desde o início da pandemia, segundo
relatório divulgado ontem pela Oxfam. No presente contexto de grave crise sanitária e econômica, nada é mais
imperioso e urgente que amparar a população vulnerável e retomar o crescimento econômico. O povo brasileiro
não tem condições, literalmente, de pagar mais impostos sobre o consumo, como sugere a proposta de reforma
tributária apresentada há dias pelo governo federal.
Assim como demonstram as melhores experiências no mundo e, aliás, também como reza a Carta de 1988, é
necessário que o sistema tributário brasileiro, definitivamente, respeite o princípio da igualdade material
tributária e a capacidade contributiva e, acima de tudo, que cumpra os objetivos fundamentais do artigo 3º, entre
os quais o de construir uma sociedade livre, justa e solidária e o de erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais.

*Charles Alcantara é auditor fiscal e presidente do Sindifisco/Pará