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23/07/2021

A desigualdade na distribuição do ICMS

Em 2022, dos R$ 4,1 bilhões a serem distribuídos aos municípios, R$ 1,009 bilhão vão para Parauapebas e Canaã dos Carajás.

A INSUSTENTÁVEL ANOMALIA DISTRIBUTIVA DO ICMS

Charles Alcantara*

No dia 15 de junho deste ano, o Sindifisco encaminhou ao Governador do Estado e ao Presidente da Alepa, a Exposição de Motivos n° 01/2021, com argumentos e dados que demonstram tanto as causas quanto os efeitos perversos da anomalia na distribuição do ICMS entre os municípios paraenses, que penalizam ao extremo os municípios não-mineradores, alguns dos quais com grande densidade populacional, como são os casos, por exemplo, de Belém e Ananindeua, mas não só.

A Lei Complementar n° 63/1990 fixou os critérios de partilha da cota-parte do imposto, atribuindo à variável “valor adicionado” um peso de 75% (a Emenda Constitucional n° 108/2020 reduziu esse peso para 65%), reservando aos Estados uma competência residual para fixar critérios de partilha no âmbito de seus territórios.

Acontece que, com o advento da Lei Complementar n° 87/1996 (Lei Kandir), que desonerou de ICMS a exportação para o exterior de produtos e serviços destinados à exportação, o valor adicionado gerado pelas grandes mineradoras, com destaque para a Vale, passou a não guardar qualquer correspondência com a receita do imposto estadual gerada nos respectivos municípios mineradores, hipertrofiando a participação relativa destes municípios na cota-parte do imposto.

A anomalia distributiva do ICMS vem se agravando a cada ano, assumindo contornos dramáticos nos períodos de alta no preço das comodities minerais associada à desvalorização do real frente ao dólar, como ocorre no presente.

Pelo que apontam os índices provisórios da cota-parte do ICMS do próximo ano calculados pela Secretaria da Fazenda, considerando uma arrecadação total de ICMS estimada em R$ 16,5 bilhões, teremos o seguinte cenário em 2022: dos R$ 4,1 bilhões a serem distribuídos aos 144 municípios, nada menos que R$ 1,009 bilhão serão entregues apenas a dois municípios mineradores: Parauapebas e Canaã dos Carajás.

Parauapebas ficará com R$ R$ 611 milhões e Canaã dos Carajás, com R$ 398 milhões. Enquanto isso, os três municípios mais populosos – Belém, Ananindeua e Santarém – receberão, respectivamente, R$ 454 milhões, R$ 118 milhões, e R$ 78 milhões.

A distorção se mostra ainda mais absurda quando se compara o ICMS per capita. Canaã dos Carajás, por exemplo, receberá em 2020 um per capita de R$ 10.474,00, o que representa mais de três mil por cento acima do per capita a ser recebido por Belém (R$ 303,00). Parauapebas, com um per capita de R$ 2.855,00, receberá mais de mil por cento acima do que será recebido por Ananindeua.

A Constituição Federal, em seu artigo 155, § 2º, inciso X, alínea “a”, determina que o ICMS não incidirá “sobre operações que destinem mercadorias para o exterior”. Ao fazê-lo, a CF concedeu a essas operações a chamada Imunidade Tributária, retirando-as do campo de incidência desse imposto e, portanto, afastando da competência tributária dos Estados e do DF, a de tributar essas operações, naquilo que a doutrina chama de limitação ao poder de tributar.

Ora, se as exportações de produtos primários e semielaborados não fazem mais parte do campo de incidência do ICMS, não há que se falar em “fato gerador” do imposto, por exemplo, na saída do minério de ferro de Carajás para a China. Sendo assim, é correto ou aceitável que essa operação seja contabilizada como valor adicionado para fins de cálculo da cota-parte do ICMS em favor do município de origem do minério?

Defendo que não, por entender que a variável “valor adicionado” para fins de cálculo da cota-parte do imposto de que todos os municípios são “sócios” – porque donos de um quinhão de 25% de seu produto – deve se dar dentro do universo de incidência onde se realizam os fatos geradores do imposto.

Assim, há que se revogar o inciso II, § 2º, artigo 3º da LC n° 63/1990 que, ao extrapolar o alcance do valor adicionado como critério de distribuição do ICMS para além do campo de incidência do imposto, termina por engrossar a base de cálculo do valor adicionado com operações imunes na casa dos bilhões de reais, mas sem qualquer correspondência com a geração da receita a ser distribuída, agravando de maneira dramática a hipertrofia do índice de cota-parte em favor de dois, e apenas dois, municípios mineradores.

Outra alternativa, a mais adequada, aliás, é restabelecer a incidência do ICMS na exportação de primários e semielaborados, o que corrigirá essa anomalia distributiva e, de quebra, permitirá que a exploração mineral contribua efetivamente com a receita do Estado do Pará.

Charles Alcântara é Presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco) e do Sindicato Estadual dos Servidores do Fisco Estadual do Pará (Sindifisco-Pará)

Fonte: Ver-o-Fato